segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O Relato de Uma Alma.


Hoje você olha para meu espaço e você nem sabe quem sou, ou talvez saiba.
Mas quero que saiba que eu sou aquele que um dia dormiu em sua calçada e você me mandou "sair dali", pois, não queria um sujo desconhecido no seu portão.
Sou eu aquele que te pediu um pedaço de pão e você negou.
Sou eu aquele que tremia de frio quando você olhava pela janela do seu carro no conforto de um ar-condicionado.
Sou eu mesmo, aquela criança, que você nunca deixou seu filho brincar com ela, pois não queria seu filho ao lado de pessoas sem futuro.
Eu sou o mesmo que você atravessava a rua com preconceito pois não queria passar perto de uma pessoa simples.
mas quero que saiba, que fui eu que te desejei boa sorte, quando vi uma lágrima rolar no seu rosto.
Fui eu mesmo que liguei para a emergência quando vi que sua casa corria risco de um incêndio.
E também fui eu, que segurou a mão do seu filho quando ele ia atravessar a rua em frente a um carro.
Para mim a vida foi bem dura, com o mudo aprendi a viver e ver as coisas por vários ângulos.
Vi o pobre apanhar da polícia por roubar um pão, senti na pela o tremor de frio sem a proteção de um cobertor, vi no olhar de uma criança o sentimento fome.
Na rua não se tem muito com quem conversar, por isso conversei com as plantas, pois eram minhas amigas.
Fiz dos garis que limpavam as calçadas o exemplo de um trabalhador.
Fiz do banco na praça o meu camarote.
Nas velhinhas que davam milhos aos pombos e nos velhinhos que jogavam xadrez fiz vi o meu teatro.
Fiz do sino da igreja o meu aparelho sonográfico, e fiz de uma garrafa de vinho o meu sedativo.
E quando dormia, viajava em sonhos para lugares distantes onde somente a mente pode chegar.
Lá eu criava um novo mundo, um mundo de paz, onde as pessoas eram realmente humanas.
O Sol era mais ameno, a lua brilhava mais intensa, e no dicionário desse meu mundo não existiam palavras como fome, violência, maldade...
Hoje você olha para minha foto, ao lado de flores, e fica se lamentando, dizendo que eu fui um cara legal, restando a você apenas colocar suas flores sobre a minha fria lápide, cobrindo o mármore negro com lágrimas que nunca chegarão aqui em baixo.
Aqui em baixo, as coisas não mudam muito, a mesma terra que me cobre e me refresca do sol, me aquece quando faz frio.
Não sei se fui mesmo um cara legal, a única coisa que sei é que sempre procurei fazer o que é "justo". Talvez um pudesse voltar e tentar concertar o que há de errado, e tentar entender as pessoas, que é a parte mais difícil, mas não adiantaria muita coisa, pois sei de muitos sábios que tentaram e não adiantou muita coisa.
Se você quiser me dizer qualquer coisa, procure-me entre as estrelas do céu, talvez você me veja cavalgando sobre a constelação de leão, ou alimentando os peixes de aquário. Enquanto você fica ai, eu vou ficar aqui bem calado, até o dia em que o eterno vier me buscar, pois eu seu que lá em cima realmente existe alguém legal.

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